sábado, 10 de julho de 2010


"O suicídio é apenas um momento (...). Durante um momento apenas, não interessa que haja pessoas que gostam de nós, que o sol brilhe e que estreie no fim-de-semana um filme que andamos ansiosos por ver. De repente ocorre-nos que nada se resolverá nunca, nunca, e desafiamo-nos: Isto é tudo? Começamos a pensar que sempre soubemos que isto viria a acontecer, mas não sabemos se será hoje o dia. E se pensarmos demasiado, provavelmente não é. Mas desafiamo-nos. Pegamos numa faca e carregamos suavemente sobre a pele, olhamos para baixo através de uma janela de um décimo nono andar e pensamos: podia fazê-lo agora. Podia fazê-lo agora. E, a maior parte das vezes, vemos aquela altura e ficamos com medo, ou pensamos nas pobres pessoas que vão lá em baixo no passeio - e se houver garotos a tentar esquecer aquela coisa terrível que os obrigaríamos a ver? E o momento passa. Pensamos como teria sido triste se nunca chegássemos a ver aquele filme, e olhamos para o nosso cão e perguntamo-nos quem tomaria conta dele se desaparecêssemos. E voltamos ao normal. Mas aquilo permace-nos na mente. Mesmo que nunca aceitemos o desafio, fica-nos o consolo de saber que podemos escolher o dia. Guardamos aquilo no cérebro como se guarda um rebuçado amargo na bochecha, e a recordação ácida que ele deixa, o prazer áspero de passar a língua sobre esse terreno estranho, é exactamente o mesmo."

Caes de Babel
Carolyn Parkhurst

Sem comentários:

Enviar um comentário